9. VOTO Nº 258/2021-RELT2
DA ADMISSIBILIDADE
9.1. Para o regular conhecimento e processamento dos recursos no âmbito deste Tribunal, faz-se necessária a constatação dos pressupostos de admissibilidade, dentre eles, o cabimento da espécie recursal, a legitimidade, o interesse do recorrente e a tempestividade do recurso.
9.2. In casu, infere-se a legitimidade e o interesse recursal do recorrente, uma vez que se insurge em face do Acordão nº 3315/2002 de lavra do Tribunal Pleno, de modo que correto o cabimento da espécie recursal interposta, conforme artigo 48 da Lei nº 1.284/01. No que tange à tempestividade, em que pese não haver mais peças nos autos originários, como por exemplo a Certidão de Tempestividade, pode-se aferir pela data da interposição do recurso em 25 de fevereiro de 2003 que o mesmo é tempestivo, posto que a decisão combatida foi publicada em 21 de fevereiro de 2003, portanto dentro do prazo recursal de 15 (quinze) dias.
9.3. Pelas razões expostas, conheço do presente recurso.
DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
9.4. Os Pressupostos Processuais permitem o desenvolvimento válido e regular da relação jurídica processual e constituem-se em requisitos de validez do processo.
9.5. Os chamados pressupostos de desenvolvimento são aqueles atendidos depois que o processo se estabeleceu regularmente, no intuito de que possa ter curso regular. O processo existe mesmo quando faltam os pressupostos processuais, pois será no desenvolvimento do processo que sua ausência será declarada.
9.6. É cediço que, quando a parte deixa de promover os atos e diligências que lhe competem, após o prazo conferido pelo Juiz, a hipótese é de extinção do processo por abandono da causa, com fulcro no inciso III, do art. 485, do CPC/2015, in verbis:
9.7. Trata-se da inércia das partes diante dos deveres e ônus processuais, acarretando a paralisação do processo, presumindo-se desistência da pretensão à tutela jurisdicional. Legalmente, essa presunção ocorre quando ambas as partes se desinteressam e, por negligência, deixam o processo paralisado por mais de um ano, ou quando o autor não promove os atos ou diligências que lhe competir, abandonando a causa por mais de trinta dias.
9.8. Com fulcro no § 1º do art. 188, e no art. 202 c/c parágrafo único do art. 204 do Regimento Interno deste Tribunal de Contas, a Presidência determinou que o recorrente se manifestasse sobre o interesse processual na recomposição dos autos e na juntada de documentos e o mesmo quedou silente, não impulsionando mais o processo, mesmo após regularmente citado, de modo que se constata a ausência de um pressuposto válido para prosseguimento da causa.
PRELIMINARMENTE
9.9. Em apreciação, autos suplementares visando a restauração do processo original nº 610/2003, referente ao Pedido de Reconsideração contra a Deliberação do Plenário deste Sodalício, proferida no Acórdão nº 3315/2002, datado de 11/12/2002, publicado no Diário Oficial nº 1384, de 21/02/2003 constante dos Autos nº 7406/2001, os quais versam sobre Impugnação instaurada contra o senhor José Maria Cardoso, Prefeito do Município de Pugmil-TO à época, tendo em vista irregularidades constatadas na auditoria nº 6530/2001.
9.10. Pois bem, analisando o respectivo voto condutor, observa-se que as impropriedades constatadas foram:
9.11. Conforme já detalhado no relatório, foram realizadas inúmeras buscas e tentativas em localizar os autos nº 610/2003. Esta Corte empreendeu esforços em intimar a Câmara Municipal de Vereadores de Pugmil – TO, para na figura dos seus Presidentes, à época, realizar as buscas dos autos físicos em seus arquivos, e o Órgão não obteve sucesso em encontrar o processo.
9.12. Também foram tomadas providências junto à Corregedoria deste Tribunal para abertura de Sindicância Investigativa, a qual foi inaugurada através da Portaria nº 157, de março de 2016, restabelecida pela Portaria nº 15, de 22 de janeiro de 2018, destinada à apuração dos fatos relacionados ao desaparecimento, extravio ou destruição dos Autos nº 610/2003, com a identificação de eventuais responsáveis. Referido processo de sindicância foi arquivado pela Portaria nº 587, de 18 de setembro de 2018, publicada no Boletim Oficial TCE/TO nº 2153, de 18/09/2018, na qual o Presidente acolheu os termos do relatório conclusivo da Comissão designada pela Portaria nº 568, de 19 de setembro de 2016, de acordo com a decisão proferida no processo SEI nº 16.000774-7.
9.13. Na referida Sindicância Investigativa foram tomadas as medidas necessárias para o devido procedimento investigatório e concluiu-se pela impossibilidade de localização dos autos, e de apuração de eventuais responsáveis.
9.14. Assim sendo, a Presidência desta Corte, tendo em vista que os Autos nº 610/2003, que versam sobre Pedido de Reconsideração, não foram encontrados, e visando dar efetividade ao andamento do recurso apresentado pelo senhor José Maria Cardoso, determinou a restauração do recurso protocolizado pelo requerente, como se segue no Despacho nº 953/2019:
9.15. Deste modo, a Presidência com fulcro no § 1º do art. 188, do Regimento Interno deste Tribunal de Contas, e tendo em vista o arquivamento dos autos de sindicância concernentes ao extravio do Processo nº 610/2003, tornando-se, portanto, impossível adotar algum procedimento por absoluta ausência de provas no sentido de dar efetividade a alguma pretensão punitiva, decidiu após a formação dos autos suplementares pela COPRO, enviar o processo à Coordenadoria de Diligências-CODIL para que, nos termos do art. 202 c/c parágrafo único do art. 204 do Regimento Interno deste Tribunal, procedesse, por meio eletrônico, e, caso fosse necessário, por edital, a INTIMAÇÃO do interessado, José Maria Cardoso, ex-Prefeito Municipal de Pugmil-TO, para manifestar-se, no prazo de 15 (quinze) dias, acerca do seu interesse em restaurar o Pedido de Reconsideração protocolizado em 25 de fevereiro de 2003.
9.16. Entretanto, em que pese as intimações do ex-Prefeito de Pugmil – TO, este não compareceu aos autos, para manifestar seu interesse em restaurar o Pedido de Reconsideração e juntar documentos que ajudassem na recomposição do processo.
9.17. Resta então, a esta Relatoria, dado o passar do tempo sem propulsão dos autos, averiguar a incidência ou não, no caso concreto, da prescrição da pretensão punitiva/ressarcitória desta Corte, tendo em vista que remanescem irregularidades e falhas que deixam o gestor ao alcance de multa e débitos, sendo que os fatos apurados ocorreram no exercício de 2001, e o Pedido de Reconsideração foi autuado nesta Corte em 25 de fevereiro de 2003, o que a priori poderia suscitar dúvida e questionamentos.
9.18. Impende consignar aqui, que a prescrição e a decadência são matérias de ordem pública que podem ser arguidas em qualquer tempo e grau de jurisdição, podendo, inclusive, ser reconhecida de ofício pelo julgador, característica esta que legítima a sua análise nos presentes autos, mesmo sem ter sido arguida pela parte.
9.19. Ocorre que em recentes decisões, o STF vem consolidando não apenas a prescritibilidade da pretensão punitiva no âmbito dos tribunais de contas – MS n° 32201/DF, MS 35971/DF, mas, de igual modo, está por promover verdadeira revisão histórica da jurisprudência pátria ao reconhecer, outrossim, a prescrição da reparação do dano em face do Erário Público.
9.20. Inicialmente, com o Tema 666 de sua Repercussão Geral, a Corte Constitucional estabeleceu como prescritível o dano decorrente de ilícito civil.
9.21. Em reforço, e na direção de superar o dogma da imprescritibilidade absoluta da reparação do dano ao erário, fixou-se com o tema 897 a imprescritibilidade tão somente da reparação do dano gerado por conduta dolosa de impropriedade administrativa, quando praticado, ao menos em tese, os atos previstos pela Lei de Improbidade.
9.22. Recentemente, após o julgamento do RE n° 636886, restou consolidada a tese do Tema 899, que ratificou a tese de repercussão geral e concluiu que é prescritível a ação de reparação de dano fundada em decisões de tribunais de contas, vejamos fragmento do voto do Relator, que destacou o item 4 abaixo transcrito:
9.23. Assim sendo, pode-se resumir as teses como se segue: o ato apurado não será prescritível quando não versar sobre ilícito civil; quando tratar-se, ao menos em tese, de ato de improbidade administrativa tipificado na Lei de Improbidade; ou quando houver sido identificado, ao longo da instrução processual, o elemento subjetivo doloso.
9.24. É preciso destacar que os Tribunais de Contas, nas ações de sua competência constitucional, não mais dispõem de prazo indeterminado para se desincumbirem de seu múnus fiscalizatório.
9.25. Neste sentido, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil – ATRICON, exarou em 23 de dezembro de 2020 a Nota Técnica nº 04/2020, cujo teor extraímos o seguinte fragmento:
9.26. Neste linha, acompanhando a evolução do entendimento do STF a respeito da matéria, o Tribunal de Contas do Estado do Tocantins, em propositura que arregimentou a aquiescência da unanimidade dos integrantes de seu colegiado, encaminhou projeto de lei à Assembleia Legislativa deste Estado, com a finalidade precípua de normatizar os institutos da prescrição e da decadência no âmbito desta Corte de Contas, e, dessa forma, assegurar a plena observância da racionalidade administrativa, da economia processual, da celeridade, da ampla defesa e do contraditório. No referido projeto, inclusive, é prescrito em seu artigo 2° o prazo de 05 anos para a prescrição da pretensão punitiva ordinária.
9.27. Outrossim, ainda na linha da novel jurisprudência do STF, o artigo 5° do aludido projeto de lei assevera a perda da prerrogativa de instaurar Tomada de Contas Especial quando, da data da ocorrência do ato supostamente danoso, até a primeira notificação válida dos possíveis responsáveis ou interessados, houver transcorrido prazo superior a 05 anos.
9.28. Como forma de atender à plenitude o tema 899 da Repercussão Geral do STF, o seu parágrafo único determina que a Tomada de Contas Especial será instaurada, nas situações em que decorrido o prazo de 05 anos entre a data do fato de que resulte o eventual dano ao erário, e a data da primeira notificação válida do responsável, unicamente, quando evidenciado, ao menos em tese, o dolo na conduta do agente.
9.29. Ressalta-se também, que o prazo prescricional da pretensão punitiva das Corte de Contas também está sujeito à interrupção nas hipóteses previstas no art. 2º da Lei nº 9.873/99, quais sejam: I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato; III - pela decisão condenatória recorrível; IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal.
9.30. Deste modo, as causas interruptivas da prescrição incidem ou se relacionam a ciência do interessado acerca dos atos irregulares lhes atribuídos, aos atos praticados com vista a efetiva apuração e as decisões recorríveis proferidas, vez que o trâmite dos processos nas Cortes de Contas costuma ser por diversas vezes repleto de despachos, notas técnicas, pareceres e inúmeros atos de impulsionamento, devendo-se neste ponto restringir as hipóteses de interrupção da prescrição aos despachos que visem a promover a apuração do fato, aos relatórios de fiscalização que apure as irregularidades e às decisões administrativas recorríveis, não havendo nenhum sentido jurídico em, por exemplo, atribuir condão interruptivo a atos de defesa praticados pelos interessados.
9.31. Frisa-se que, somente há de se falar em prescrição diante da inércia do Estado. O art. 2º da Lei nº 9.873/99, o qual deve ser interpretado de forma sistemática, elenca as causas interruptivas da prescrição, ou seja, que demonstram que o Estado não está inerte. Tal dispositivo não faz menção aos atos de defesa praticados pelas partes, nem seria razoável fazê-lo diante da impossibilidade do simples exercício do direito defesa vir a prejudicar o responsável, ao passo que a revelia não traria qualquer ônus.
9.32. Assim, o que interessa nessa sede, ainda, é a verificação sobre a incidência da prescrição quinquenal da pretensão punitiva/ressarcitória, o que obstaria a imposição do sancionamento. Para tanto, deve ser observado se entre a ocorrência do fato gerador e a citação (que é causa interruptiva da prescrição) e entre a citação e a decisão a ser proferida, decorreram-se mais de 5 (cinco) anos.
9.33. Fixado o marco inicial a partir dos quais começaram a fluir o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, cabe analisar a ocorrência de interrupções na forma prevista na legislação. Conforme se verifica, os fatos irregulares apurados na Tomada de Contas realizada ocorreram no exercício de 2001.
9.34. No presente caso, não há dúvidas de que restou configurada a prescrição intercorrente da pretensão punitiva/ressarcitória, visto que transcorreram 16 (dezesseis) anos, 11 (onze) meses e 22 (vinte e dois) dias, a contar da data da publicação do Acordão combatido e a data da citação do recorrente por Edital para manifestar-se nos autos suplementares (última causa interruptiva válida). Portanto, passados mais de 5 (cinco) anos, restou operada a prescrição da pretensão punitiva/ressarcitória na sua modalidade intercorrente à luz dos entendimentos do STF e da ATRICON, conforme sintetizado no quadro demonstrativo a seguir dos marcos iniciais e interruptivos atinentes à prescrição:
Data da publicação do Acordão nº 3315/2002 |
Última citação ocorrida nos autos suplementares nº 14907/2019 |
Data julgamento do recurso de reconsideração nº 14907/2019 |
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21/02/2003 |
12/02/2020 |
15/12/2021 |
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16 anos, 11 meses e 22 dias |
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17 anos, 09 meses e 25 dias |
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9.35. Assim sendo, o presente recurso versando sobre Acordão nº 3315/2002 publicado no Diário Oficial nº 1384, de 21/02/2003, já se encontra maculado pela prescrição intercorrente, pois atingiu o transito em julgado do acordão e as penalidades dele decorrentes ficaram suspensas.
9.36. Importante ressaltar, que as intimações (nº 69/2019, nº 109/2019, nº 125/2019, nº 328/2019 e edital nº 01/2019) que ocorreram ao longo do processo originário nº 610/2003, na tentativa de localizar os autos, não se deram na pessoa do Recorrente, e sim dos Presidentes da Câmara de Vereadores de Pugmil, os Senhores Nazare Amancio de Souza e Jamesval Coelho Pereira, portanto, não suspenderam a prescrição.
9.37. Somente nestes autos suplementares, com a publicação do Edital 01/2020, evento 7 do processo, é que foi interrompida a prescrição, com a citação válida do recorrente, o Sr. Jose Maria Cardoso, em 12 de fevereiro de 2020.
9.38. Cumpre rememorar que este Conselheiro informou a Presidência, ainda no exercício de 2015, que os autos não se encontravam em seu gabinete quando da sua posse, sendo que o processo suplementar somente regressou a esta relatoria em junho de 2020.
9.39. Logo, aportando os autos nesta 2ª Relatoria, e adentrando ao caso concreto sob apreciação, após as necessárias considerações acima postas, vejo que o presente processo permaneceu paralisado, sem julgamento e/ou despacho de caráter decisório, do ano de 2003 até a presente data, ou seja, um lapso temporal superior a 17 anos, sendo possível verificar a ocorrência de um único marco interruptivo da prescrição: a citação válida do recorrente, promovida por Edital, no ano de 2020, acerca de fatos desencadeados quando da interposição do recurso em 2003.
9.40. Não se observa, após a interrupção acima apontada, nenhum outro marco interruptivo e/ou suspensivo do prazo prescricional, desde a citação válida do responsável nos autos suplementares, até a presente data, sem que, repita-se, houvesse julgamento e/ou despacho decisório proferido nestes autos, mas tão somente a produção de despachos de mero expediente, para encaminhamentos interno do feito, de um departamento a outro desta Corte.
10.CONCLUSÃO
10.1. Por todo o exposto, acolhendo os pareceres do COREA e do MPC, na análise dos presentes autos e com base na fundamentação supra, tendo em vista a necessidade de reconhecer, de ofício, a consumação da prescrição intercorrente da pretensão punitiva/ressarcitória desta Corte, com a aplicação, analógica e de lege ferenda, do prazo de 05 anos entre a data da interposição do recurso e a data da última citação válida dos responsáveis, VOTO no sentido de que este Tribunal de Contas adote as seguintes providências:
10.2. EXTINGUIR o presente Pedido de Reconsideração, frente a perda superveniente do objeto, em virtude da ocorrência de prescrição da pretensão punitiva da sanção e débito constantes do Acordão 3315/2002-TCE/TO-Pleno, referente aos Autos nº 7406/2001;
10.3. reconhecer como preclusa a promoção da execução do Acordão 3315/2002, em desfavor do Senhor Jose Maria Cardoso – ex-prefeito de Pugmil- TO, excluindo a multa e débito em face deste indicados, devido a prescrição consumada, uma vez que as citações dirigidas aos mesmos correram em fevereiro de 2020, cerca de dezesseis anos, 11 meses e vinte e dois dias da interposição do Recurso que os suspendia, portanto, após o limite quinquenal.
10.4. determinar a publicação desta Decisão no Boletim Oficial deste Sodalício, nos termos do art. 27, caput, da Lei nº 1.284/2001 e do art. 341, § 3º, do RITCE/TO, para que surtam os efeitos legais necessários, inclusive para a eventual interposição de recurso;
10.5. determinar à Secretaria do Plenário que proceda a juntada de cópia desta Decisão, assim como do Relatório e do Voto que a fundamentam, aos autos nº 610/2003;
10.6. determinar que, após serem cumpridas as formalidades legais, sejam os autos enviados à Coordenadoria de Protocolo Geral, para as providências de praxe.
Documento assinado eletronicamente por: LEONDINIZ GOMES, CONSELHEIRO(A) SUBSTITUTO(A), em 15/12/2021 às 16:47:42, conforme art. 18, da Instrução Normativa TCE/TO Nº 01/2012. |
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